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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Crónicas de Lisboa I - Aeroporto (versão 2017)

Aeroporto. De Lisboa. Centro preferencial de chegadas e partidas de um país carregado de história e de estórias. Um país pequeno, de mentes pequenas e espíritos ainda mais ínfimos. Só a hospitalidade parece ser realmente grande. É o que dizem!

Naquela ampla sala de espera há um oceano de cabeças atentas aos que chegam. Da porta larga não param de sair passageiros. Pequenos serviços são oferecidos a quem está à espera, minimizando o tempo passado. No centro um quadro electrónico vai mostrando os voos que vão aterrando. Uns a horas, outros com atraso.

Quem espera não imagina de onde vem tanto viajante. Eles são altos e louros, escuros ou claros gordos ou magros. Carregam às costas as mochilas de uma vida. Por sua vez os regressados conseguem descobrir no meio daquela multidão alguém conhecido e vão acenando de sorriso alargado. Por fim juntam-se aos familiares e amigos distribuindo abraços, lágrimas, beijos repenicados, as saudades tanto tempo sentidas e naquele preciso instante explodidas em torrentes de emoções.

Na enorme nave nem se percebe o movimento cá fora na pista. Constantemente há aviões a aterrar e a descolar num movimento quase louco e onde os carros de apoio, que se movimentam quais formigas incansáveis, atravessam o alcatrão negro a grande velocidade, tentando chegar a todo o lado.

A porta continua a expelir gente. Alguns não parecem turistas. São meros utilizadores de avião como usassem outro transporte qualquer. Puxam uma pequena mala, atravessam o mar de gente e saem sem que ninguém os receba.

Entretanto no piso superior há quem espreite, através da varanda, para aquele espécie de mar humano… São os passageiros das partidas que gastam os últimos momentos na cidade que Wim Wenders idolatra. Partem repletos de memórias e recordações. Abalam, quiçá, para nunca mais voltarem. Se vão uns, outros vêm em busca de sol, praia, alegria e de um país que sabe receber.

O corrupio das partidas espalha-se pelos inúmeros guichets. Pequenos quiosques vão fornecendo últimos serviços aos que partem. Há quem carregue malas e sacos, há quem só se carregue a si mesmo.

Se uns partem outros ficam presos, naquele preciso instante, às saudades. As crianças traquinas e quase sempre menos agarradas às emoções que os adultos, aproveitam os enormes tapetes rolantes e escadarias para irem brincando. Os que têm bagagem aproximam-se dos balcões depositando as malas e os sacos. Os outros passam naturalmente pela rigorosa segurança, após fiscalização competente.

Num país com tantos imigrantes as partidas têm sempre aquele sabor amargo da tristeza ao invés das chegadas que são verdadeiro mel.

- Diz alguma coisa quando chegares… Tem juízo por lá… Dá lá saudades à família, diz que os queremos ver cá…

Consente-se, aceita-se para nunca mais se lembrar dos recados.

Porém há também quem parta para férias, para aquele país único, longínquo que ninguém sabia que existia mas que tem aquela praia… Há quem abale à aventura de uma profissão nova ou de um sonho bizarro. Somos todos tão sonhadores…

Chegam finalmente na semana seguinte, de cores acobreadas pelo sol, à enorme sala onde tanta gente espera outra tanta gente. Ou regressam no ano seguinte. Ou dez, vinte anos passados. Há os que nunca mais retornam.

- Ai homem que estás tão magro… Ricas cores… isso é que foi apanhar sol… Já nem te conhecia… há quantos anos saíste de Portugal?

As respostas perdem-se no ar pois ninguém ouve e ninguém responde. É sempre assim.

Curioso é que naquele estranho mar de cabeças atentas e oriundas sabe-se lá de onde, há gente de todas as classes e credos. Que local tão profundamente estranho para o povo se misturar com quem não se sente… povo. Sinceramente, por vezes é difícil perceber quem é quem.

Mas isso que importa, o Aeroporto é e será sempre um Mundo em ponto pequeno.