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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos tontos - 20

A questão abriu as hostilidades de forma brutal.

- Como posso emendar este erro? Diga-me como?

O padre acabara de receber em confissão, uma notícia que o deixara prostrado. Devagar sacudiu uma pequena partícula branca que sobressaía da batina enquanto procurava na sua mente as palavras para uma resposta. Passou a mão pelo cabelo alvo e ajeitou um cruxifixo de madeira que carregava ao pescoço.

Por fim adiantou:

- Esse erro jamais poderá ser emendado! E o meu irmão sabe isso…

A fraternidade a que apelava o padre não carregava do mesmo sentido que aquela em que vivera mais de vinte anos. Todavia aceitou a irmandade mas não a resposta:

- Já vivi demasiado tempo para perceber que há muita coisa que posso fazer para me remir do meu erro. Não me venha dizer que nada há que se possa fazer?

A igreja estava em silêncio. A porta principal estava aberta e poderia dar acesso a outros crentes, mas estes eram cada vez em menor número e assim o perigo de alguém ouvir a conversa parecia ser nulo. A ética eclesiástica mandava perdoar, ensinar novos caminhos, colocar a palavra de Deus na frente dos pecadores e usá-la como arma que abalava consciências. Mas aquela falta parecia ser demasiada complicada para ser resolvida apenas com uma mera absolvição… A verdade nem sempre era vista como a melhor solução para este tipo de falha. E a sua denúncia pública advinda de confissão não fazia sentido. E pior… o seu estatuto como padre ficaria profundamente arruinado.

O tempo parecia correr lesto e o confessor pareceu ficar mais nervoso. Pelas frestas do pequeno cubículo o padre podia ver toda a nave principal da sua bela igreja. Não reparou em alguém que tivesse entretanto entrado.

- Estou tão abismado com a sua falta, que nem tenho uma resposta a seu gosto.

- Sei que sim, senhor Padre. Mas eu necessito de ter uma resposta rápida. A minha vida depende disso. A minha e demais pessoas… E só o senhor tem capacidade para me ajudar.

Um suspiro longo escutado pelo confessor retirou-lhe credibilidade. Do lado de fora o homem levantou-se numa reacção quase violenta e argumentou:

- Já entendi que não me vai ajudar. Vou procurar quem me valha. Eu apenas afirmei que não acredito em Jesus. Mas falo do treinador do Sporting… não do seu cruxificado.

Contos tontos - 19

Ajeitou a gravata quando pressentiu que a porta se preparava para ser aberta. Um homem corpulento, de tez pálida penetrou na sala estendendo a mão para a visita. Não obstante o aspecto volumoso parecia afável.

- Engenheiro Daniel Messias? Como está? – Cumprimentou.

A visita retribuiu:

- Muito bem, obrigado! Mas trate-me só pelo meu nome, se fizer favor.

O anfitrião sorriu com a franqueza e acrescentou:

- Claro. Faça o fineza de se sentar.

E continuou:

- Veio responder ao anúncio?

- Exactamente!

- Como compreende há uma série de questões que gostaria de ver esclarecidas…

- Com todo o gosto!

O entrevistador recostou-se na cadeira e desbobinou um ror de perguntas. Ao fim de quase uma hora declarou:

- Creio que preenche todos os nossos requisitos. Sabe do negócio, tem ideias precisas do que necessitamos… Isso é muito bom! Já agora posso só colocar uma questão do foro mais pessoal?

- Obviamente…

- Quais são neste momento os seus sonhos, os seus desejos?

Resposta contínua:

- Não tenho sonhos…

- Como não?

- É como lhe disse… Não são os sonhos que me fazem mover.

- Então como chegou aqui? Como se licenciou?

- Desde cedo tive consciência que os sonhos só me atrapalhavam. Por isso abdiquei deles e apenas dei valor à lógica da vida.

Atrapalhado por aquela postura e entrevistador sentiu-se atemorizado. No entanto foi acrescentando:

- Nunca desejou um brinquedo, ter uma namorada, comprar um carro?

- Nunca! Sinto que só devo ter aquilo que posso. Os sonhos só acarretam desilusão, ansiedade e obviamente depressão. Sou pragmático e realista. O curso que frequentei não correspondeu a um desejo, mas a um estudo lógico pois rapidamente percebi que esta seria a profissão com maior empregabilidade.

- Mas acredite, que o melhor do sonho não está na conquista final… Apenas no caminho até lá!

- Acredito que assim seja. Mas prefiro não sonhar… Nem de noite!

- Se ninguém sonhasse viveríamos muito longe desta realidade. O sonho é que faz andar o mundo…

- Fez. Não faz mais! Hoje vivemos num mundo adepto de certezas e pragmatismos. Ninguém mais quer saber se o sonho comanda a vida… Sonhar com algo, como forma de vida, é somente uma mera utopia… ultrapassada.

- Nunca vi o mundo por esse prisma… sinceramente. E nessa sua filosofia onde cabe a felicidade?

A pergunta tinha rasteira. A resposta dada esquivou-se a ela:

- O que é a felicidade?

Contos tontos - 18

Mirou-se ao espelho e gostou do que viu. Estava completamente nua e assim pode com calma autoavaliar-se: o cabelo longo cor de avelã tapava-lhe quase todas as costas, a face parecia ter sido esculpida por um mestre renascentista, os olhos cor de azeitona pouco madura.

Descendo pode apreciar o pescoço pequeno. O peito saliente e firme destacava-se no corpo bronzeado. Finalmente um mui singelo traço de pêlos púbicos que terminava na zona mais íntima.

Passou a mão pelo ventre magro e sorriu ao mesmo tempo que imaginava quantas das suas amigas adorariam ter a sua beleza e formosura. Sentia-se perfeita!

Era sexta feira e a noite aproximava-se cálida e acolhedora. Os ingredientes perfeitos para a festa. Rodou nos calcanhares e pegou no telemóvel. Nenhuma mensagem.

Olhou as horas e achou que realmente ainda era muito cedo. Decidiu vestir-se informalmente e comer qualquer coisa antes de sair. Por fim um toque de mensagem alertou-a para alguma novidade.

Correu para o aparelho desbloqueou-o e leu:

- Festa cancelada, fica para próxima!

Irritada atirou com o aparelho para o sofá e deu um grito fino. No instante seguinte estava de volta ao telemóvel a enviar mensagens. Não gostou das respostas… Alguém a desconvidara… Como seria possível?  A ela, a única que os rapazes adoravam conhecer… A rapariga mais bonita da sociedade… Aquela de quem todas tinham inveja…

Finalmente o telemóvel tocou. Não conheceu o número, todavia atendeu… Mal conseguia ouvir tal era a barulheira do outro lado… Pensou em desligar mas logo a seguir perguntou:

- Quem fala?

Um coro de vozes respondeu:

- A tua solidão…. Ahahahahahahahah!