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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos Tontos - 14

Adormecia sempre a pensar nela. Acordava todas as manhãs após ter sonhado com ela. Parecia quase uma doença viral.

Morava meia dúzia de portas abaixo, na mesma rua. Já a vira diversas vezes entrar e sair da moradia. Mas nunca lhe falara… Nem um sorriso, nem uma saudação. Nada!

No seu critério ela era de uma beleza impossível. Ninguém podia ser tão belo assim. Também não percebia se a amava platonicamente ou se aquilo não passava de uma imbecilidade.

Naquela tarde regressou a casa mais cedo do que o costume. Apanhou o comboio e sentou-se. Pegou no livro que sempre carregava e retomou a leitura deixada pela manhã. A marca ajudava-o a achar o reinício.

Sentiu que alguém se sentara no lugar defronte de si. Mas não levantou os olhos para ver quem era. Quando esporadicamente o fez sentiu um choque… era ela.

Assim tão perto ainda parecia mais bela que ao longe. Sentiu as faces ruborizarem e baixou o olhar para a leitura, que nunca mais mudou de página…

Todo o seu corpo tremia num frémito estranho. E destilava calor e frio ao mesmo tempo e em doses paquidérmicas. O comboio parou por fim na sua estação e ele deixou que ela saísse primeiro. Mas ela não saíu e ele teve de correr para se apear antes que o comboio partisse.

Entre o desiludido e o triste viu-a afastar-se no transporte e com ela partiram também todos os seus sonhos tanto tempo alinhavados e cosidos à sua alma.

Nessa noite não sonhou com ela. Curara-se finalmente da "tal" doença?