Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos tontos! - 3

Preparara tudo sem ela saber. Comemorava nesse dia mais um aniversário de casamento. Ela, todavia, andava demasiado ocupada e preocupada para se lembrar da data. Ele pelo contrário... Após uma depressão ainda mal debelada tinha todo o tempo do mundo.

Os filhos nunca haviam surgido. Nem nunca procuraram as razões para tal falta.

Tocou o telemóvel. Ele atendeu:

- Diz amor!

- Não vou jantar - declarou secamente.

- Como não vens jantar? Tenho tudo preparado.

- Desculpa mas não posso ir. O novo projecto tem de ser entregue até à meia noite.

Poisou o telefone. Não era a primeira vez que ela não vinha a horas de jantar.

Desligou tudo e sem comer saiu porta fora. Necessitava apanhar ar. Pegou no carro e foi conduzindo devagar sem destino. Ao fim de uma hora deu-lhe a fome. Parou o carro e procurou um restaurante. A rua estava movimentada. Sem saber como, fora parar aquele lugar de enorme afluência. Como gostava de peixe, tal como ela, procurou um local onde o peixe fosse o rei.

De súbito apalpou o bolso e reparou na embalagem volumosa. Um anel de brilhantes para oferecer à esposa nesse dia dos seus 20 anos de casados.

Entrou no restaurante e pediu um lugar para si. Sentou-se e olhou ao redor. De súbito ao fundo, quase num canto viu alguém muito familiar. Nem soube o que fazer... Finalmente levantou-se, encaminhou-se para o casal que de mãos dadas sussurravam segredos e observou:

- Boa noite, desculpa incomodar o teu jantar mas tens aqui uma prenda dos teus 20 anos de casada. Espero que gostes.

Contos tontos! - 2

O carro seguia dentro dos limites, na auto-estrada. Ele conduzia e pensava, ela dormia profundamente.

O alcatrão negro desenrolava-se à frente tal qual um manto. E a viatura consumia quilómetros.

Entretanto o espírito dele viajou para um passado tão longínquo que quase não acreditou que tivesse existido.

As festas, as brincadeiras, as amigas e os amigos, as partidas aos colegas... Esboçou um mero sorriso ao lembrar-se! Olhou para o lado, onde ela dormia. Vinda também do seu passado notou-lhe então os rasgos cravados na face, o pescoço quase flácido, os cabelos de cor cinza. Mas ainda era bonita... E como ele a amava...

Quanto tempo passara desde a última vez que ele lhe sussurara a palavra mágica. Perdera o conto.

Umas vezes por isto, outras por aquilo, acabaram por se afastar!

De súbito ele falou em tom sonoro:

- Amo-te!

Acordada subitamente pela palavra, perguntou:

- Disseste alguma coisa?

- Eu? Eu não... Devias ser tu a sonhar!

Contos tontos!

Foram anos e anos a procurar a mulher. Sempre ocupada, indisponível, ausente...

Até que um dia ele cansou-se.

Procurou então noutras alcofas a forma de matar o desejo.

Até que ela descobriu.

Mas a partir desse dia passou a estar disponível e pronta para aceitar o marido.

Tarde demais!

Ele perdera para sempre o desejo daquela mulher.

E ela perdera a hipótese de ser finalmente amada.