VII - Noite
Agora muda o tempo. Acabou o calor.
O dia foi tão quente quão ventosa é a noite!
E a noite escura e triste mete tanto temor,
Que a sair à rua, pouco há quem se afoite!
O vento sopra rijo. Vento frio, gelado,
Que mais frio é ainda, só porque vem do Norte.
E embora a noite assim, para alguns seja feia,
Para mim, triste, pobre desventurado,
Embora o vento sopre rijo, gelado e forte,
Ainda mais bela faz esta já bela aldeia!
Eu sou como Junquiero! Gosta da noite assim!
Luar! Estrêla! Vento, soprando a entrar em mim!
VI - Crepúsculo
O sol vai-se a esconder, já para além da serra.
A noite tomba um véu sôbre o dia da terra.
Enxada ao ombro, volta o camponês ao lar.
Deixou de trabalhar.
"Agora, cavador, podes ir descansar!"
Os bois, puxando o carro, voltam à povoação.
Vêm mais ajoujados, o carro vem carregado.
E o boieiro à frente, também já vem cansado.
Agora já não canta, pica-os com o aguilhão.
A mulher pôs a mesa,
Acendeu a candeia.
E aquela luz na aldeia,
Inspira-nos tristeza!
O bébé acordou. Ei-lo agora abrincar.
O crepúsculo baixa! É a noite a tombar!
Nas paredes branquinhas, de branca e alva cal,
Já não se reflecte o quente sol de verão.
E a falta de luz na linda povoação,
Torna ainda mais bela esta noite estival.
Só luz dentro das casas. A pedregosa rua
Só é iluminada pelos clarões da lua!
V - A aldeia
É tarde! O sol passou a linha do meio-dia.
A aldeia descança, digere o elimento.
Ah! Mas daqui a pouco, daqui a um só momento,
A aldeia acordará e acabará o dia
a trabalhar. Os homens, no campo, a fornear,
P'ra que o mato bravio não seque a oliveira,
Não lhe vá fazer mal, n~ºao a possa matar!
Elas ficam em casa, lá na lide caseira.
O camponês descansa e senta-se um pedaço
Naquele pedregulho ao pé da oliveira.
Quem dera fôsse noita e sentado àlareira,
A ver ferver a sôpa numa panela de aço.
Mas não! Não poderá voltar ao casario
Da aldeia onde vive, onde vê o seu lar.
Enquanto o seu trabalho ele não acabar,
Enquanto não queimar todo o mato bravio.
Ânimo camponês! Pega na tua enxada,
E destrói essa erva, essa amaldiçoada.
Trabalha camponês! Vê que o azeite é ouro,
E a erva matará todo esse teu tesouro!
E o cavador trabalha, sempre, até ao sol posto.
Vamos camponês! Em casa, a tua espôsa,
Olha que ela trabalha, olha que ela não gosa!
Ela também transpira o suor do seu rosto.
E a enxada sobe, a enxada desce!
O homem sua, a fôrça cresce!
Mas é preciso mais, muita força ainda!
É preciso uma enorme e bruta fôrça infinda.
A carripana avança, puxada pelos dois
Enormes e possantes animais de tracção.
Pelos carreiros estreitos, fora da povoação,
Lá vou, - chiando os eixos, - esse carro de bois.
E o condutor munido do aguilhão arisco,
Vai cantando, baixinhoe e num tom magoado.
E diz, para animar o gado tão carregado:
"Anda lá Galhardo! Para a frente Mourisco!"
E os bois mansos lá seguem pelo carreiro adeante.
- Carreiro estreito e mau onde falta o betume,
Onde as pedras são soltas, onde o carro passante
Parece ir a tombar com os balanços que dá,
Onde os cascos dos bois fazem raios de lume!
Mas o boieiro é firme, atento e vigilante!
Vede a mulher além, nessa casa branquinha,
Agora lava a loiça ou arranja o jantar,
Para que o marido, no fim de trabalhar.
Possa em paz descançar, dizer em voz baixinha:
"Obrigado mulher! Tu és a minha vida,
Tu és a espôsa santa, tu és a espôsa querida!"
E enquanto a mãe trabalha no arranjo do lar,
Enquanto o pai trabalha no campo, entre o pó,
O bébé descansando, no berço, a dormitar,
Face côrada e linda vai fazendo o ó-ó.
E a mãe coitada, e sem deixar de trabalhar
Canta baixinho. A voz serve para embalar.
E um raio de sol entrando pela janela
Do quarto do menino bonito e rosado
Não resiste e ao ver a sua face bela,
Vem mui devagarinho deitar-se a seu lado.
"Mas vem raio de sol, lento e devagar!
Cuidado não vás tu o bébé acordar!"
As paredes branquinhas, de brance e alva cal
Reflectem, como espelhos, o quente sol de verão,
A dar luz e calor à linda povoação,
A tornar mais bonita esta tarde estival.
IV - Esquecimento
Vive 'inda em minha mente aquele dia
Em que te conheci ó terra bela!
Povoação tão humilde, tão singela,
Como outra, até aí não conhecia.
Minto! Que não foi essa a minha ideia!
Porque era noite, e a lua já raiava.
E como eu a paisagem não olhava,
Então, ó terra bela, achei-te feia!
Passou o tempo e apareceu o sol.
Amanheceu. A montanha imponente.
Refectia em sua encosta descente
Os raios da estrêla, do farol!
Subi à alpendrada e olhei a paisagem.
Na véspera, de noite, eu vira a fealdade!
Agora, de manhã, não sentia saudade
Da terra que deixara. Parecia-me miragem.
E eu que amava Lisboa! Como eu a achava linda!
Quando eu a deixava, ó que saudade infinda!
Uma tristeza grande, enorme, me invadia!
Eu amava Lisboa! Fôsse noite ou dia.
Tu tinhas para mim o encanto da cidade,
Da terra onde nascera, dessa terra natal
Que eu idolatrava, com enorme amizade.
Eu amava Lisboa! Amava - por meu mal!
Um dia saí dela! Nos primeiros momentos
Recordava sentido aqiuela imensa mole
De prédios, de ruas. de estátuas, monumentos!
Recordava Lisboa! Recordava o seu sol,
A noite luarenta, a manhã buliçoza.
Ospregões das varinas, bpnitas, malcriadas!
Recordava Lisboa! Sua alma vaidosa,
A qual se revelava por fora, nas fachadas!
E agora eu te deixei!
Por outra te troquei,
Ó Lisboa esquecida!
Foi bom eu te olvidar,
Porque aprendi a amar...
... E vivi outra vida !
Minha terra natal! Esquecida Lisboa!
Eu peço-te perdão! Eu rogo-te: perdoa!
III - Prelúdio
Eu sou como Junqueiro! Gosto da noite assim!
Luar! Estrêlas! Vento, soprando, a entrar em mim!
Por isso, ó Vento amigo, ó noite encantadora,
Ó estrêlas que bailais, ó luar fugitivo,
Animal que vigiais, ó alma de poeta,
Fazei que me invada a mesma poesia
Que invadiu Camões, o Épico imortal!
Fazei que me inspire a mesma musa amiga
Que inspirou Junqueiro, o mago rimador,
Que transformou Bocage no Elmano divino
E que fez de João o poeta infantil!
Sei que não serei célebre, como foi o amões,
Como o foi Junqueiro e como o foi Elmano,
Como João de Deus e tantos outros.
Mas eu desejo e quero mostrar ao mundo enorme
Que as musas me inspiram que o meu estro não dorme!
Quero mostrar às gentes, que no planeta existe
Num recanto da terra um pobre, um miserável,
Talvez homem no corpo, criança no pensar,
Que nunca foi ingrato, que sabe agradecer
Aos que o acolheram como se um seu filho ele fôra.
E quero agradecer à terra pequenina,
De poiuco casario, de gente hospitaleira,
Que um dia o recebeu e sustentou uns dias.
Por isso, ó Vento amigo, ó noite encantadora,
Ó estrêlas que bailais, ó luar fugitivo,
Animal que vigiais, ó alma de poeta,
Ajudai-me a cantar, embora em versos pobres,
A gente acolhedora, a terra carinhosa.
Onde eu repousei das agruras da Vida.
E eu te agradeço a ti, ó Vento amigo!
E eu te agradeço, ó noite encantadora!
E eu vos agradeço, estrêlas que bailais!
E eu te agradeço, ó luar fugitivo!
E eu te agradeço, animal que vigiais!
E eu te agradeço, ó alma de poeta!
Benditos sejam!
II - Poeta
A versejar rimas pobres,
A pobres versos rimar.
Ah! Vós, poetas bem nobres
Bem me podeis condenar!
Que sou eu? Um visionário,
Um louco, um sonhador.
Um doido extraordinário,
Mísero versejador!
Para quê? Porque tentar
Os poetas imitar?
É o vento forte soprando...
É a oliveira vibrando...
As estrêlas cintilando...
É a alma versejando
Que assim me faz pensar...
É a minha alma inquieta
que me faz pobre poeta...
I – O Vento
Um raio de luar espreita a povoação
Por detraz do cabeço, orgulhoso e altivo
Quere saltar o monte alto, deixar de ser cativo,
Ultrapassar as grades, ser livre da prisão.
Há estrelas também! E há também o vento.
Que as faz bailar lá em cima no escuro firmamento!
E sopra o vento forte! E espreita o luar!
E bailam as estrelas brilhando, a cintilar!
Soa ao longe um latido dum cão bem vigilante.
Que é? Se não é gente que vem para roubar!
É nos ramos da oliva o vento a perpassar
A fazê-los tremer, num trémulo vibrante.
E o vento que acorda o bom do cão amigo,
Que faz tremer os ramos das olivas despertas
É ‘inda o mesmo vento, o mesmo Eolo antigo
Que nos antigos tempos levou às descobertas,
Que levou os heróis, por esse mar além,
A construir impérios e estradas abertas
Aos humanos gentios da nossa pátria-mãe.
É esse mesmo vento que numa hora calma,
Me incita a versejar e acorda a minha alma!
Os poemas que a seguir publico não são da minha autoria. Assina o autor como Eduardo Monteiro – nem sei se é algum pseudónimo. Encontrei estes textos no meio de papéis muuuuuuuuito velhos. Datam de Setembro de 1946.
Publico-os porque lhes achei muita graça e faço-o tal e qual o manuscrito. Com eventuais erros ortográficos (ou não!!!).
Acabei por incluir fotos dos originais do textos.
Introdução
Maria, não digas nada
Eu te peço o grande favor
Um cajado e uma pedra
São as armas, ai! do pastor!
Popular
Editado no dia 7 de Julho de 2014