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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Os Felícios! 12

Resposta a este convite da Ana

Episódio 1

Episódio 2

Episódio 3

Episódio 4

Episódio 5

Episódio 6

Episódio 7

Episódio 8

Episódio 9

Episódio 10

Episódio 11

Eram três e vinte e cinco da madrugada quando um grito soou em toda a casa. Bom na casa, no prédio e nos edifícios contíguos. Houve quem afirmasse que o senhor Cassildo, um brasileiro bem pachola que vivia duas ruas abaixo, também ouvira o grito.

Felícia levanta-se de um salto ao escutar o berro da filha e corre para o quarto. Entra sem bater e encontra Maria Felícia já sentada na cama com as pernas em vê e uma mancha de água que se alastrava lentamente pelos lençóis.

- Está na hora, filha – disse para a rapariga. Depois dirigiu-se ao guarda-fato e retirou de lá um enorme saco que havia preparado para aquele momento.

À entrada do quarto surgiu também Felício que estremunhado perguntava:

- Que se passa? É preciso alguma coisa?

- A tua filha está pronta para dar à luz. Se queres ser útil arranja-me um táxi.

- Táxi a esta hora? Onde vou arranjar um agora?

Felícia responde em tom áspero:

- Que tal o teu? Achas que consegues chegar ao hospital?

O futuro avô dá uma palmada na testa e devolve:

- Tens razão. Vou já buscá-lo.

Antes de sair avisou:

- Quando estiver à porta toco a campainha.

- Tocas nada homem! Acordas toda a gente… Sabes que horas são… Bem bastou já o grito estridente que a tua filha deu. Eu vou descendo com ela devagar. Dará tempo.

Já no carro e quiçá por defeito de profissão, Felício pergunta:

- Para que hospital vamos?

- O que for mais perto… isso pergunta-se?

Todavia o primeiro hospital não aceitou a parturiente por não ter essa especialidade e de lá correram para outro que aceitaram a futura mãe. Nas urgências o médico de serviço perguntou de forma inocente à futura avó:

- O pai da criança?

Encavacada com a questão Felícia acabou por responder, mentindo:

- Está... está em viagem… mas eu fico com ela!

- Não é preciso! Está bem entregue. Vá para casa qu’isto pode demorar. Depois diremos alguma coisa.

- Eu fico aqui à espera.

- Olhe que pode demorar… - insistiu no aviso, o médico.

- Não importa… - naquele momento a porta automática fechou-se à sua frente e a filha desapareceu noutro mundo.

Sentou-se na sala de espera onde já estava Felício dormitando e deu-lhe a mão nervosa. Depois olhou-o e sorriu.

- Vamos ser avós, já viste?

- E de um catraio… - assumiu o táxista.

- Lá estás tu com essa teimosia… Que coisa a tua…

O tempo passou devagar. Encostados um ao outro os velhos Felícios dormitavam quando escutaram:

- Acompanhante de Maria Felícia…

A avó acorda assarapantada, mas levanta-se num ápice e dirige-se à pessoa que a chamara:

- Estou aqui… há novidades, senhor Doutor?

- Há sim! E boas!

- Ai Deus Nosso Senhor me ajude… e a ela também – agradeceu Felícia enquanto se persignava.

- Olhe que bem precisam…

- Ai… mas porque diz isso?

- Porque tem ali dois netos fantásticos. Ou melhor um neto e uma neta!

Felício que se aproximara abraçou a mulher e escutando as derradeiras palavras afirmou vaidoso:

- Eu não disse… amanhã vou preencher a proposta de sócio do Feliciano.

- Então e a Felicidade Maria?

- Vai ser sócia também!

Nesse momento entrou Mário Felício na sala de espera com ar esbaforido e vendo os pais, já nem usa o uotessape e questiona:

- Há novidades, há novidades?

Responde o agora avô:

- És um bi tio!

- Sou o quê?

Avança a mãe:

- A tua irmã teve gêmeos!

- Dois?

- Sim dois... E já chegam, não? - devolve Felícia!

- Então já sei quem é o pai das crianças...

- Quem é, quem é? - Perguntam em uníssono os pais.

- O Cabé que tem uma irmã gêmea... - naquele preciso instante a voz de Mário Felício foi perdendo fulgor, para finalmente acrescentar - que é a minha namorada e também está grávida.

- Ai... - suspira a mãe arregalando os olhos para o marido.

Felício no alto do seu clubismo afirma todo contente:

- Amanhã já vou buscar quatro propostas para sócios.

 

FIM

Os Felícios! #11

Resposta a este convite da Ana

Episódio 1

Episódio 2

Episódio 3

Episódio 4

Episódio 5

Episódio 6

Episódio 7

Episódio 8

Episódio 9

Episódio 10

A certeza do aumento da família, cada vez mais visível no ventre arredondado de Maria Felícia, transformou totalmente o ambiente caseiro dos Felícios.

De lado ficaram definitivamente os telemóveis e o respectivo uotessape. Apenas Mário Felício ainda o usou durante umas semanas numa tentativa de falar com alguém de casa, mas como não obteve qualquer resposta acabou por desistir. Também se tornou curiosa a sua relação com a irmã, tantas vezes comparsa de festas e saídas nocturnas e agora sentia-a como ela fosse… uma estranha.

Na verdade Mário Felício não sabia ou não queria saber da gravidez da irmã e fazia todos os possíveis para se desencontrar dela.

Ao invés, o futuro avô Felício parecia andar nas nuvens. Na praça onde normalmente costumava parar o táxi pela manhã, já todos sabiam da novidade natalícia. Alguns ousavam chegar mais longe através de brincadeiras parvas e dichotes a que Felício respondia, por vezes a rir e outras com maus modos. Apostava todavia que a futura criança seria um rapaz e às dúvidas apresentadas pelos seus colegas, respondia invariavelmente:

- Lá em casa quem mando sou eu. Se digo que vai ser um rapaz… é um rapaz, mai'nada! Assim que ele nascer faço-o logo sócio do meu clube…

Houve mesmo quem lançasse uma ideia entre o machismo e o imbecil:

- E se for uma cachopa Felício? Também a fazes sócia do teu clube?

Resposta pronta:

- Obviamente! Antes do meu que do teu…

Entretanto Felícia aceitara mais uns trabalhitos de forma a “apouchar” mais uns euros para poder comprar coisas para a criança. Havia muito tempo que a roupa pequena dos filhos fora entregue a uma prima, mãe de uma ranchada de catraios.

Com o dinheiro ganho já comprara um berço, um marsúpio, um fraldário, uma banheira e algumas roupas. Todavia a filha parecia ainda não estar ainda bem consciente do seu estado e daí gastar mais dinheiro em vestimentas para esconder a gravidez do que em utilidades para a futura criança.

Certa noite, à mesa, a mãe sente que tem de fazer uma pergunta à filha. Teme, todavia, a sua reacção já que Maria Felícia tem um feitio… meio esturrado! Respira fundo e finalmente propõe-se a questionar:

- Filha, posso saber uma coisa?

A futura parturiente rabisca qualquer coisa num guardanapo usado com um lápis que apanhou algures e responde quase por instinto:

- Diz lá mãe…

Um silêncio entrou na cozinha de odores vários e finalmente:

- Quem é o pai dessa criança?

Maria Felícia ergue-se devagar da desengonçada cadeira e dirige-se em passo lento para o corredor parecendo fugir a dar uma resposta. Por fim devolve:

- Nem eu sei… mãe. Aquela noite foi… absolutamente inesquecível! Como podes ver - e apontou para o ventre dilatado.

A mãe leva a mão à boca estupefacta com a resposta e desabafa:

- Santo Deus… que família mais destrambelhada esta!

Desgarrada de Carnaval!

Vamos brincar Carnaval

Lançam os foliões.

Que ninguém leva a mal

Nem ricos nem pobretões.

 

Prefiro estar longe

Da malta brincalhona.

Antes eremita ou monge,

Que ouvir uma sanfona.

 

Não ouso negar não

As máscaras dif’rentes.

As de Veneza então

São belas, valentes.

 

Fica assim lançado

Mais este desafio

Nem cantiga nem fado

Talvez um assobio.

 

Nota:

quem quiser participar pode fazê-lo com uma ou mais quadras através de um comentário neste blogue, através do seu próprio blogue (se o tiver) com referência a este desafio ou enviar mail para josedaxa@sapo.pt. Tanto nos comentários como por mail ou nos blogues eu acabarei por juntar aqui a(s) quadra(s). Assim ficará mais visível. Vamos lá então escrever!

 

Respostas:

Beatriz Costa

O José desafia e o pessoal não quer falhar
Ele é um craque com as palavras, mas eu também vou tentar
De palhaços está o mundo cheio, dizem as bocas das gentes
Eu cá acho que o mundo está cheio de charlatões que não sabem estar contentes

A minha resposta

Desafiar não dói

Quem o diz, muito sabe.

Não quero ser herói

Rir antes que desabe.

Uma dúzia...

Faz hoje precisamente 12 anos que abri este espaço apenas com a ideia de desviar para aqui os textos que não tinham, a meu ver, cabimento neste meu blogue.

Actualmente é uma espécie de armazém de escrita intimista e a com qual tento dar mais um passo no caminho da excelência!

Entretanto este ano ousei desbravar caminhos diferentes em termos poéticos. Escrevi imensas quadras em diferentes desgarradas (pena que mais gente não tenha entrado na brincadeira) e mal versejei diversos sonetos.

Inventei uma família atípica e meio desconfigurada para corresponder a um desafio lançado por uma esta bloguer amiga ao mesmo tempo que respondia a outros desafios que em breve verão a luz do dia em forma de livro.

Ao todo foram publicados, neste último ano, somente 67 postais, portanto... coisa pouca...

Em jeito de remate final cabe-me agradecer a todos quantos aqui vieram ler e comentar. A escrita só tem mesmo verdadeiro valor se for lida. Nem que seja apenas por uma só pessoa.

Fiquem bem e a gente lê-se por aí!

"To do list"

Resposta a este desafio da Ana

 

O jovem Ano Novo dormia após uma noite de alegria. Ainda chegou a tempo de alisar as alvas longas barbas do Ano Velho, que para sempre dormia já e por isso não lhe colocou a questão que tanto o atormentava agora que era o Ano mais novo: como é envelhecer em 366 dias?

Uma voz entrou na sua cabeça zoando:

- Tu até tens sorte vives mais um dia que os outros…

- Quem está aí?

A voz respondeu com uma invulgar doçura:

- Estarás a falar de mim?

- Sim esta conversa… eu estou a escutá-la dentro de mim…

Pela primeira vez o Ano Novo teve medo. As mãos suaram, a pele eriçara-se, o coração batera acelerado.

- Não temas que eu não te farei mal. Só quero o teu bem…

O ainda infante Ano Novo acalmou por fim, mas não se sentia ainda descansado e por isso decidiu:

- Vou procurar espalhar todos os dias uma semente de vida recheada de ternura, compaixão e alegria, pelos céus do Universo.

Na manhã seguinte todo o Mundo se admirou com o que caía do céu… Não era neve, nem folhas secas das árvores, nem algodão… apenas singelos laivos de esperança!

Os Felícios! #10

Resposta a este convite da Ana

Episódio 1

Episódio 2

Episódio 3

Episódio 4

Episódio 5

Episódio 6

Episódio 7

Episódio 8

Episódio 9

O ambiente em casa da família Felício não era o melhor, principalmente desde as festas natalícias onde ninguém recebeu o que gostaria de ter recebido.

De tal forma as coisas estavam desconfiguradas que as refeições faziam-se sempre aos pares. Primeiro pai e mãe e mais tarde os filhos. O grupo de uotessape que havia sido criado deixou de ter actividade.

Na véspera do Ano Novo, Maria Felícia e Mário Felício saíram de casa sem sequer se despedirem dos pais. O pai ficou tão furibundo que nunca mais falou aos filhos.

É neste mundo azedo que vamos reencontrar a família Felício com o pai a chegar agora mais tarde porque os tais “uberes” faziam grande concorrência aos taxistas originando que os clientes fossem muito menos. Valiam, ainda assim, algumas avenças previamente contratadas …

Felícia passou a lavar as escadas do prédio abichando com isso algum dinheiro que ajudava nas contas. Entretanto os filhos continuavam a viver lá em casa, mas sem qualquer compromisso financeiro… E como estava tudo de “telhas às avessas” também a roupa dos jovens deixou de ser lavada e passada a ferro. Amontoava-se à porta dos quartos.

Resumindo naquela casa a confusão era generalizada!

Certa noite Felícia escreveu para o marido:

- O jantar está na mesa!

- Vou já, vou só lavar as mãos!

Durante a refeição só se escutava os talheres a bater nos pratos. Mas há muito que era assim… Todavia o peso da ausência dos filhos tornava aquele momento ainda mais triste. Foi a mulher que munindo-se da maior coragem que tinha, tocou no braço do marido, chamando-o à atenção, dizendo:

- Temos de acabar com isto – e apontou para o telemóvel.

- Porquê?

- Porque somos pessoas e não máquinas…

O marido nada disse. Para depois acrescentar:

- E eles? – e fez um jeito com a cabeça apontando para dentro de casa referindo-se aos filhos.

- Eles? Façam o que quiserem. São maiores e vacinados!

Novo estranho silêncio. Entretanto a porta de entrada abriu-se. Felícia olhou o relógio de parede a pilhas, de origem chinesa e estranhou a chegada de qualquer dos filhos àquela hora.

No momento seguinte apareceu na cozinha Maria Felícia com uma cara que parecia ter sido atropelada. Olheiras enormes onde se percebia a maquilhagem toda esborratada, o cabelo desgrenhado e as mãos numa tremedeira parecida a quem sofre de “delirium tremens”.
Admirados com aquele aspecto físico e psicológico os pais levantaram-se rapidamente da mesa e chegando perto da filha perguntaram de viva voz:

- O que passa Maria Felícia?

A jovem sentou-se devagar na cadeira, mas não respondeu. Escondeu a face suja entre as mãos e desatou a chorar.

A mãe foi buscar um copo com água e deu-lhe a beber. Finalmente sentou-se a seu lado e voltou a questionar:

- O que se passa contigo?

A filha ergueu o olhar para a mãe e respondeu:

- Há um novo Felício a caminho!

Primeiro o choque depois a alegria:

- Que bom, querida. Estamos mais ricos…

- Pois dizes tu… - devolveu a filha.

Depois rematou:

- Que telemóvel vou dar eu à criança? Não sei o que fazer!

Bom dia alegria

Dedicado ao Padre J. um amigo de caminhos e de vida no dia do seu aniversário

Alegria pela vida que temos
Pelo sol que vimos nascer.
Alegria pelo que somos
E pelo querer sempre viver.

Alegria pelas flores,
Também pelas incertezas.
Alegria pelas dores
Sinal das nossas tristezas.

Alegria por este Deus
Que nos convida a sermos
Mais que aos meus e teus
A todos... nós amarmos.

Alegria pelo caminho
Que já fiz contigo.
Alegria pelo carinho
De seres real Cristo amigo.

Quadras biográficas! #1

Nasci nu disseram-me

Em terras de Lisboa

Depois vestiram-me

Umas vestes à toa.

 

Filho único nasci

E assim fiquei eu.

Jamais mano eu vi

Nem com o mito Morfeu.

 

Aos seis anos era

Caixa de óculos, sim!

Uma alcunha bera

Que eu sentia em mim.

 

Longe de aluno bom

Triste noite e dia.

Acordei assim ao som

Da alma que sofria.

 

Mudei o meu vil rumo

Para pobre poeta.

Palavras sem aprumo

De coração pateta.

 

Foi nas letras que senti

O pulsar de mim mesmo

Escrevi e escrevi

Minhas dores a esmo.

Giz-barbeiro! #3

Resposta a este desafio

Parte 2

Após o demorado almoço decidi apresentar aos meus amigos os restantes animais! Já haviam conhecido as galinhas e os coelhos, mas faltavam aqueles com quem andava diariamente pelas charnecas e lameiros.

Fomos a pé, todos be⁸m agasalhados que o frio por aqui não é para brincadeiras. Por vezes até neva! Estava ainda longe do curral a já escutava o balir triste das ovelhas todo o dia presas.

Os borregos foram obviamente a sensação e os alvos preferidos das miúdas. Ficaram mais tristes quando lhes comuniquei qual o destino provável das crias. Mas eu também tinha de ter algum rendimento.

A tarde tornou-se plúmbea por uns algodões celestiais vindo da serra. Comuniquei:

- Não seria pior irmos para casa? Não tarda chove e está muito frio.

Já entre paredes iniciámos a preparação da célebre consoada. Na horta a tardoz cortei algumas couves que trouxe para casa num braçado gigantesco.

- Ai tanta couve... Mas vem cá mais gente? - perguntou Isabel num sorriso maroto.

- Não, mas prefiro que sobre a que falte. E se sobrar vai para as galinhas... Aqui nada se desperdiça!

O curioso desta tsrde foi a postura de Joca... Estava distante, afectuoso, mas diferente! Assumi que fosse da emoção, mas em breve perceberia o porquê:

- Precisamos falar!

- Mau rapaz... que tom de voz grave é esse? Que se passa?

- Podemos ir para ao pé da lareira enquanta elas tratam da janta?

- Claro... Mas estás a deixar-me preocupado.

- Não te preocupes... é que é Natal e não sei o que gostas... e vai daí não te trouxe prenda nenhuma para te oferecer. Tenho para as miúdas e para a Isabel, mas tu...

- Oh homem... deixa-te disso! Não quero nada! Como vês não tenho televisão, computador, nem telefone fixo. E só tenho telemóvel porque posso precisar de ajuda quando ando por lá sozinho!

Depois apontei um velho aparelho:

- À noite oiço umas notícias naquele velho rádio e mais nada! Os livros que me mandas chegam!

- Pronto antes assim mas estava preocupado.

Num cagagézimo de segundo mudou a postura:

- E escrever,  hem? Quando começamos?

Ri.

- Estás a rir de quê?

Fui à gaveta e retirei o velho caderno e mostrei-lhe. João abriu-o devagar para logo exclamar:

- Uau que desenho mais bonito... Quem fez?

- Não imagino, mas isso que aí está escrito é a letra da minha avó Pureza. O desenho não sei se foi ela, mas desconfio que sim!

Continuou a folhear o vetusto caderno e parou no que eu escrevera. Leu devagar para logo perguntar:

- Falta o resto...

- Pois falta! - admiti - Necessito de inspiração.

- Puxa pelo bestunto, companheiro!

Mudámos de assunto até que lhe perguntei:

- E filhos, não queres?

A face mudou de tom e eu logo percebi que algo estava menos bem. Sem insistir mudei de conversa:

- Desculpa lá, dá-me aí esse tronco se fizeres favor. Está-se aqui bem, não está?

- Não posso ter filhos...

- Tens duas meninas - apressei a devolver.

- Um problema qualquer que eu tenho... nem com tratamentos...

- Tem calma, não fiques triste... não estás só como eu...

Joca deu-me outro abarço e continuámos a matar saudades de outros tempos.

Finalmente a ceia. Ou Consoada. Que eu havia muitos anos não fazia questão em comer diferente. Mesa posta mais perto do lume e iniciámos o jantar.

Até que de repente tocou o sino da aldeia:

- A tocar a rebate? - perguntou Isabel.

- Calculo que estarão a chamar os fiéis para a missa do Galo!

- Oh nunca fui a nenhuma...

- Mas podes ir hoje...

As meninas ficaram alvoraçadas:

- Podemos ir, podemos ir?

- Claro... mas só depois de comermos.

Fazia muito tempo que não estava com tante gente a jantar. E muito menos em casa. A refeição correu rápida e as meninas seguiram para a igreja. 

- Podes ir Joca...

- Eh pá tu sabes que nunca fui muito de alinhar nestes credos.

- Eu também não. Mas reconheço que muitas vezes são verdadeiros apoios psicológicos - assumi.

- Ai acredito! Mas vão elas e a gente fica aqui a arrumar a cozinha. 

- Boa ideia!

Era perto da meia-noite quando uma algazarra entrou na casa. As meninas vinham excitadas com a noite.

- Este é mesmo um Natal especial, pai! - disse Filipa abraçando o meu amigo.

De súbito um silêncio entrou na sala. Não tendo percebido acabei por perguntar:

- O que se passa?

Isabel aproximou-se de mim e de olhos rasos de lágrimas confessou:

- Foi a primeira vez que a Filipa o tratou como pai!

Nem comentei pois percebi que aquele momento seria apenas deles. Entretanto a esposa desaparecera da sala, regressando com alguns sacos que poisou no chão. Depois e como não havia árvore de Natal... apenas a jarra com o giz-barbeiro foi lá que encostou cada prenda sobre os sapatos.

- Joca, este embrulho é para a Filipa e esta é para a Sara.

Chegou a hora de abrir as prendas. A excitação ao rubro por parte das meninas mais novas. No sapato de Isabel um pequeno embrulho que esta abriu devagar quase temendo o que lá estaria. Finalmente abriu uma pequena caixa de veludo onde encontrou um anel com um brilhante. Levantou o olhar para o João e parecia perguntar algo:

- É um anel de noivado! Queres?

As lágrimas corriam pela face bonita de Isabel que só soube dizer:

- Sim, claro que sim! - e beijou o noivo!

Entretanto as meninas nem tinham dado pelo caso e só souberam mais tarde. Sara ria muito e perguntava na sua inocência:

- Vais ser o meu pai verdadeiro?

- Sim, se quiseres...

- Quero, quero muito!

Afastei-me por que achei aquilo um tanto lamechas e sendo eu quase um eremita percebi que me deveria afastar. Fui à cozinha e trouxe um moscatel velho para comemorarmos. Peguei em três copos e na botelha e quando cheguei, Joca parecia também chorar. Disse para comigo:

- Isto dava para uma estória de cordel...

João viu-me e quase correndo para mim trazia uma papel na mão. Confessou:

- O Natal fez o milagre...

- Ainda acreditas nisso?

- Agora mais do que nunca - e mostrando o papel, continuou - vou ser pai!

- Como?

- Esta é uma imagem da ecografia do meu José.

- Ups! - Exclamei espantado.

- Sim será José como tu.

Mas nem tive tempo de falar. As miúdas tinham vindo à rua buscar algo e regressaram gritando:

- Está a nevar, pai. Está a nevar!

Pronto, pensei eu, já tenho o meu Conto de Natal!

 

FIM