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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos Tontos - 27

Sentado na areia macia, perscrutava o horizonte. Naquela linha dois tons quase negros tocavam-se: o do firmamento de nuvens plúmbeas que ameaçavam borrasca e do mar sem o sol para o pratear.

No extenso areal não havia ninguém. Talvez a um quilómetro alguém corresse ou passeasse os seus cães. Tirando isso... ninguém.

O vento soprava frio naquele fim de tarde. Puxou para cima o casaco e com os dedos foi riscando a areia húmida. Os sulcos ficavam visíveis e provavelmente só na próxima maré desapareceriam de todo. Ou quiçá a chuva...

Voltou a olhar o mar... As ondas cresciam em altura e volume, para depois se transformarem em espuma e virem morrer mansamente no areal liso.

Continuou a riscar o chão sem perceber bem o que estava a escrever. Sem levantar os olhos percebia a força das ondas a bater na areia do fundo. Uma atrás da outra.

Esboçou um sorriso. O seu passado parecia o mar: por vezes ruidoso, duro, assassino, para no dia seguinte se tornar silencioso, manso e dócil.

Sentiu um arrepio atravessar o seu corpo. Seria frio?

Entretanto os dedos não paravam na areia de fazer sulcos.

De súbito soou um trovão. E como se tivesse acordado de um sonho, levantou-se de um salto. Já de pé olhou o que escrevera. Leu em voz alta:

- "O amor não é um bem, é uma conquista"

Escrevera mesmo aquilo?

A chuva principiou a cair e depressa as palavras desapareceram.