- Estou plenamente consciente que jamais serei totalmente feliz... - disse ela assim do nada.
- Porque dizes isso? - questionou o namorado.
- Basta ter de escolher...
- Não percebi!
A tarde estival colhia-se branda. O sol escondia-se já por detrás do horizonte anilado, espraiando nas águas uma réstia de luz alaranjada. Ela olhou o rapaz e duvidou:
- Como não percebes? Está tudo implícito nas nossas decisões...
- Oh miúda... pára um pouco. Deixa-me então resumir... Tu assumes que desde que tenhamos uma opção a tomar nunca seremos felizes?
- Justamente... Vês como percebes!
Ele riu-se e abanou a cabeça.
Ela observou-o naquele gesto e voltou:
- Porque te ris? Não devias, sabes...
- Rio-me porque é o que nos separa dos outros animais é essa tomada de consciência de poder optar...
- Até pode ser... Mas não invalida o que afirmei... Jamais serei feliz porque tenho de escolher entre isto ou aquilo... Quando, na verdade, quero ambas as coisas....
Ele voltou a sorrir... E retorquiu:
- E no amor também há opções?
Ela calou-se não respondendo logo. Ficou a matutar na resposta. Finalmente:
Nas suas memórias, mesmo as mais remotas sempre vira pai e mãe em constantes zaragatas. E quase tudo servia para discussão. Quando o tema não passava pela sua mera existência era o regresso tardio a casa do pai ou o cheiro nauseabundo a perfume barato da mãe.
Demasiadas vezes o usavam como arma de arremesso contra o outro. O jovem sentia-se nessas alturas somente uma pena que voava ao sabor do vento. Quando a discussão amainava, lá vinha o aconchego do pai ou da mãe tentando devolver alguma serenidade, que ele depressa percebia jamais existir.
Adaíl habituou-se por isso a resguardar-se no seu quarto onde, longe das discussões, ouvia Reimmstein em doses cavalares. Apreciava Sepultura ou Korn mas aquela banda alemã preenchia-lhe na plenitude os seus vazios. E amansava a sua raiva!
Mas pouco a pouco na sua mente foi crescendo uma idiea. Parecia idiota e sem sentido, mas foi a serenidade que o ajudou a tudo preparar. Até ao mais ínfimo pormenor!
Um dia pela calada da noite, o jovem Adaíl de dezasseis anos, partiu sozinho de casa sem deixar rasto nem recado. Quando de manhã os pais descobrissem a sua ausência, já estaria provavelmente muito longe de casa.
Ainda viu os pais uma última vez na televisão antes de embarcar. E riu-se das declarações dos antecessores que de um modo choroso afirmavam peremptoriamente que não percebiam a razão da fuga...