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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Leitura breve

Folheio aquela caturra sebenta,
Dos meus longos dias passados,
E releio com dor todas as palavras,
Que ali fui enfim depositando.

Nas folhas amarelas e puídas
Parecem arabescos desenhados
As palavras rasuradas e reescritas
Que quase nem sei decifrar.

Leio e releio o que ficou à tona,
A substituir as palavras primeiras,
Estas são mui velhas, quase mortas
Ora cortadas a negro profundo.

Quero apagá-las, fazê-las desaparecer
Deitar-lhes o fogo e deixá-las arder.
Ou simplesmente afogá-las,
Nas lágrimas que já não sei verter,

Há livros destes que não gosto de (re)ler!

Poesia para um fim de tarde

Daqui deste alto, tão alto que quase toco as estrelas,

Observo ao fundo a linha de horizonte, ténue

Onde pontos brancos arriscam tocar o céu.

Daqui deste alto, tão alto, que quase abraço a Lua,

Observo belas almofadas alvas e singelas,

onde o Sol cansado de mais dia, por fim, repousa.


Daqui deste alto, tão alto que quase me sinto voar

Observo o milhafre em voos pacientes e fatais,

Mirar no chão a presa perfeita e ingénua.


Daqui deste alto, tão alto que quase agarro o vento,

Observo o verde de vida na planície recortada,

Alagar todo o vale de esperança primaveril.


Daqui deste alto, tão alto, há quem oiça o mar,

Pode ser que sim…

Mas eu também não sei o que é o mar!

21 dias na aldeia (12)

XI - Epílogo

O vento sopra ainda, fazendo lá no céu
Bailarem as estrêlas, num bailado infernal.
Gosto da noite assim! E sinto-me outro eu,
Quando sibila o vento numa noite estival

O luar já está livre do grande monte altivo.
Já não está na prisão, já não é um cativo!

O cão já se não ouve. Talvez esteja dormindo.
Já não ladra, não uiva, num latido possante.
Mas eu tenho a certeza, que mesmo assim dormindo,
O cão está em guarda, atento e vigilante!

O vento continua na oliva a perpassar
Fazendo os ramos trémulos, fazendo-os vibrar!

A luz da minha vela, coitada, bruxuleia
É a última luz, ainda acesa na aldeia.

Morfeu vai-me invadindo. Apago a luz da vela.
Lá fora o vento sopra, tornando 'inda mais bela
Esta noite estival! Eu sinto-me ensonado,
Tentando adormecer, volto-me ao outro lado...

Lá fora o vento sopra. A lua está liberta.
E eu sinto adormecer a alma de poeta.

Agradeço-te, noite encantandora!
Adoro-te terra acolhedora!

Eu sou como Junqueiro! Gosto da noite assim!
Luar! Estrêlas! Vento, soprando a entrar em mim!


FIM

21 dias na aldeia (11)

X - Ceguinha

Era a mais linda de tôda aquela aldeia,
A pequena, a cachopa mais singela.
A mais fresca, a mais simples, a mais bela,
Que se pode pensar em cada ideia.

Seus olhos eram sóis em noite escura,
Estrêlas que brilhavam cintilantes,
Eram lindos, eram dois diamantes
Raros numa bonita face pura.

Quatro anos, não mais, viva, ladina.
Tão esperta e formosa a Heradina...

Uma dia, uma só hora, um só segundo,
Um momento bastou para apagar
Um dos sóis que iluminavam o mundo.
Uma estrêla brilhante a cintilar!

O diamante não é já verdadeiro
E só um sol brilha na noite escura.
Apagou-se um farol, e um só luzeiro
Reluz na face linda, ainda pura!

Eu tenho o seu retrato, antigamente.
O actual, conservo-o eu na mente...

21 dias na aldeia (10)

IX - Quadras

Sonhei estar no paraíso,
Com as estrêlas por teto.
Acordei e encontrei-me
No belo Covão do Feto!

Como o rei ambicioso
Que procura a felicidade,
Para encontrar o Amor,
Abandonei a cidade.

Fui encontrá-lo - calculem -
(longe de mim tal ideia!),
Numa terra pequenina,
Numa linda e bela aldeia.

Cabeço de Santa Marta!
O teu cume é um mirante!
Uma tôrre, ao pé de ti,
É um micróbio e um gigante!

Linda Lapa da Marrada!
Tua abóbada é um portento!
As pedrinhas a bruilhar,
São estrêlas no firmamento!

Ó algar dos Fetalinhos,
Que pareces não ter fundo!
Talvez sejas uma estrada,
Direitinha ao fim do mundo.

Não há água mais fresquinha
Do que a tua, ó Alviela!
Nem nascente como essa
Assim tão cantante e bela.

No Covão, as raparigas
usam estrêlas no olhar.
- Quem más dera viradinhas,
Para mim, a cintilar!

Ó aldeia encantadora
Não há outra igual a ti!
Mas conserva a leis campestres:
Ama e sofre, canta e ri!

21 dias na aldeia (9)

VIII - Amor

Belezas, de que Amor prisões me tece!
Oh! Risos leves que regeis meu fado!
Oh, tesouro! Oh mistério! Oh par sagrado,
Onde o meu pensamento adormece!

Oh ledos olhos, cuja luz parece
Ténue raio de sol! Oh gesto amado
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma se pudesse!

Oh lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talves o próprio Júpiter suspira!

Oh! Perfeições! Oh dores encantadores!
De quem sois? Sois de Vénus? - É mentira!
- Sois de Columbina, sois de meus amores!